Não há carne sem corte

A fachada é discreta, pois a Sala de Corte situa-se num pequeno prédio nas traseiras do Mercado da Ribeira, e não nos prepara para as surpresas que este pequeno e singelo restaurante nos irá revelar.

Uma única divisão rectangular, com mesas e cadeiras de um dos lados e um balcão alto do outro (com lugares sentados também), atrás do qual a equipa prepara atarefadamente as comidas e bebidas que aqui se servem. O caráter único do espaço é logo demarcado à entrada: a primeira coisa que vemos é uma enorme arca frigorífica cheia de carnes. Uma espécie de aviso aos incautos, aqueles que não tinham ainda pensado no nome do restaurante ou no vermelho do seu logo: aqui come-se carne, sem pudor.

sala-de-corte-14Somos calorosamente recebidos por um dos empregados e o jovem chef Luís Gaspar, que já trabalhou com Henrique Sá Pessoa no Cais da Pedra ou Aimé Barroier, no Hotel Lapa Palace. Afirmamos com confiança que pretendemos ficar nas mãos do chef, e do percurso de sabores que nos quiser propor.

Enquanto esperamos pela refeição, apreciamos os pormenores da belíssima decoração da Sala de Corte. Um antigo armazém de frutas, o espaço aproveitou as abóbadas pombalinas e revestiu-se com acabamentos que o enobrecem. Uma mistura improvável entre um talho e apontamentos industriais com o ambiente refinado de um espaço romântico. O chão cor de sangue conjuga com o mármore rosado que reveste as paredes, e o cinzento dos tampos da mesa e do balcão. Os candeeiros e outros apontamentos cor de cobre combinam com a pele das cadeiras e dos bancos altos, bem como com os sofás castanhos em capitonné. Numa ida à casa de banho, mais uma surpresa: esta fica dentro de uma arca frigorífica, que pede uma considerável força de braços para ser aberta. E ainda a garrafeira, protegida como se de um celeiro se tratasse, e por baixo da qual se encontram troncos de madeira. Elementos de decoração bastante díspares, harmonizados pela cor e por um gosto sóbrio e refinado. Uma sala acolhedora, descontraída e chique ao mesmo tempo.

sala-de-corte-10

O balcão comprido permite 10 lugares sentados, proporcionando uma experiência menos romântica, mas curiosa, permitindo ver a equipa a preparar a refeição que nos vai ser servida.

O percurso desta refeição iniciou-se com um curioso amuse-bouche: uns pãezinhos de brioche com chouriço, servidos num mini-tacho (aqui, também à mesa, nos talheres, nos copos, nos utensílios, se nota a atenção ao pormenor). Um clássico da cozinha portuguesa com um twist adocicado e agradável. As entradas vieram em par: primeiro, croquetes com queijo de cabra, acompanhados de uma mostarda forte. O sabor estava no ponto e a massa leve e estaladiça, embora a consistência do recheio estivesse mais líquida do que usual, talvez pela mistura com o queijo. Delicioso mesmo assim. A segunda entrada foi um carpaccio com rúcula, queijo parmesão, beterraba, pistachio. Temperada com azeite trufado, a textura e acidez da rúcula contrastavam com a maciez da carne e a frescura da beterraba, com o queijo e o pistachio a darem o toque excêntrico de uma excelente entrada que nos deixou rendidos.

sala-de-corte-5

A hora de almoço foi calma, com as mesas e sofás ocupados, mas o balcão livre, pelo que melhor se apreciou a dedicação da equipa. A banda-sonora, a desfiar hits clássicos inescapáveis, capazes de agradar a gregos e troianos, como Sitting on the Dock of the Bay, ia compondo uma atmosfera agradável que, não fosse o calor, se diria nocturna, perfeita para acompanhar com um Pisco Sour. A Sala de Corte não é o restaurante mais solarengo de Lisboa, mas isso funcionou a seu favor. O atendimento é descontraído e profissional na medida certa, disponível a aconselhamentos e esclarecimentos, prestável e eficaz.

E chegamos agora à razão da existência deste restaurante: a carne. Como o próprio nome indica, aqui leva-se a sério o corte, podendo escolher-se entre seis diferentes: vazia, picanha, entrecôte, lombo, chateaubriand, chuléton de buey. A carne é de origem certificada e tão importante como o seu corte é a sua confecção. Uma steakhouse que leva o seu métier a sério. Grelhada num forno josper – uma máquina híbrida, espécie de forno e grelha, que utiliza carvão vegetal – a carne resulta tostada no exterior, como se tivesse saído da brasa, mas suculenta e conservando todo o seu sabor. E foi neste ponto que o lombo e o entrecôte foram servidos. Numa tábua, acompanhados de tomate cherry e relish de tomate, suculentos e tenros pedaços de carne, com uma crosta tostada perfeita, para saborear lentamente. Para acompanhar, Dauphinoise de batata e batata-doce (bom mas um pouco seco), Brás de cogumelos (bem confeccionado mas talvez aquele que menos ligava com os outros sabores desta refeição principal) e coração de alface com vinagrete (pedia um pouco menos de molho).

sala-de-corte-12

Totalmente rendidos aos sabores desta casa, fomos ainda surpreendidos com a sobremesa. Num restaurante cujo chamariz é a carne, não esperávamos encontrar uma confecção tão singular e deliciosa para finalizar: Texturas de Avelã. Atentemos no substantivo, porque não podia ser melhor empregue: um macio bolo, creme e gelados de avelã, com uma camada de doce de leite e pipocas caramelizadas. A mistura dos sabores aveludados da avelã e das temperaturas e texturas contrastantes do bolo, gelado e creme com o crocante do doce de leite e das pipocas criando uma alquimia doce que foi a nota perfeita com a qual finalizámos esta excelente experiência.

sala-de-corte-11

SALA DE CORTE

Rua da Ribeira Nova, 28 – Cais do Sodré
1200-376 Lisboa

Website
213 460 030

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *