Como homenagear a cozinha tradicional portuguesa, preservando a pureza das técnicas e a seleção criteriosa dos ingredientes, sem sacrificar o fulgor criativo ou o apelo da experimentação? Há já muito tempo que Justa Nobre responde a este desafio com um menu em que a sabedoria e o desassossego se unem para desafiar a eternidade.
No panorama da gastronomia lisboeta que percorre o final do século XX até chegar a estes dias de 2017, Justa Nobre ocupa um lugar especial. Primeiro na Ajuda, local a que este ano regressa com um projeto de autor, ao elegante espaço do Campo Pequeno em que a visitámos, a sua cozinha tem o condão de atrair a discreta aristocracia do gosto da capital.
A refeição que nos proporcionou, orquestrada em sala pela mão segura do restaurateur José Nobre, não consentiu dúvidas quanto aos segredos dessa longevidade: ingredientes de primeira água, técnica perfeita, um serviço exemplar, e um toque pessoal que ornamenta, sem nunca os trair, os alicerces da cozinha portuguesa.
A noite iniciou-se com um agradável patchwork de entradinhas, saladas frias de polvo e de pimentos, fatias de presunto pata negra e um excelente queijo de Azeitão que ainda perdura na nossa memória. Um copo de espumante rosado, em edição da Justa, foi a harmonização inspirada com que se honrou a notável e bairradina casta baga.
Os conhecedores da chef não ficarão surpreendidos por saber que nos rendemos então à clássica sopa de santola, servida na crusta do braquiúro. Intensa, inebriante, muito aromática, pareceu-nos, como escreveu o Eça, que rescendia.
Depois veio o lombo de robalo à Cabo da Roca, confeção no ponto a acompanhar um creme de ervilhas e cogumelos muito delicado, texturado, num registo elegante, que merece perfilar-se como outro ex-libris da casa.
O arco da refeição culminou nuns lombinhos de porco bísaro com migas de tomate e castanhas. Acordo estimulante de várias geografias regionais com a cozinha de autor, só lamentámos não ter perguntado de onde terá chegado a inspiração para um prato em que as tradições do Norte e do Alentejo pareciam unir-se harmoniosamente na sensibilidade de quem o elaborou.
Não houve lugar para mais nada, pelo que ocupámos o lugar que não havia com duas sobremesas exemplares. Um doce carmim de frutos silvestres com leite-creme, e uma mousse de chocolate gelada com chocolate quente que nos tinha merecido a grata recordação em ocasiões anteriores.
O serviço, de um profissionalismo a toda a prova, foi de um nível que desejaríamos encontrar em todos os bons restaurantes. A hospitalidade de José Nobre, essa, não tem par.