Bob Dylan no Altice Arena. Um espetáculo memorável e outro para esquecer

A actuação de Bob Dylan (quinta-feira, 22 de março, no Altice Arena) não foi consensual. Um grande concerto, perfeito nos detalhes e na construção levando os ‘hits’ a um outro nível de criação. Mas se Dylan fez o que queria vir fazer, das luzes ao som a experiência não foi a mesma para todos.

Como se houvesse um Dylan para os lugares da frente e um Bob para o resto da pandilha do balcão secundário e a equipa técnica tivesse tomado as decisões de acordo com o dinheiro gasto no bilhete (As entradas custavam entre 39 euros e 240 euros). Apesar da proximidade ao Oceanário, ainda bem que o Altice não é o Titanic ou os ‘de 3ª classe’ acabavam no fundo e sem reembolso..

Bob Dylan é poeta, cantador, um naco suculento da História da música popular e justo Nobel da Literatura 2017. No Altice, à vista dos que não pagaram €240 mais parecia um deus encadeador de tal forma o desenho de luzes atrás dele cegava os ‘pobretanas’ do segundo balcão. Os amigos do Paragem Obrigatória lá mudaram de lugar e o problema do foco mal direcionado resolveu-se.

Não sabemos o que vos vai na carola, mas um concerto é um lugar de partilha. Às vezes dá para dançar, outras para suspiros, abraços e beijos ocasionais e alguns até dá para cantar em coro mais ou menos afinado as canções que nos levaram a estar ali. E ali, com o Bob, nickles, batatóides e nada. Mesmo com os que foram à espera dos ‘greatest hits’ se percebeu que o concerto estava fadado à desproporção, a uma espécie de ganancioso pecado da gula de quem programou o Altice Arena (mesmo que tenha enchido ou quase rebentado pelas costuras) para dar a ver um concerto de estádio que pedia outro lugar, mais intimista para que todos se sentissem agraciados pelo mesmo tratamento. Este espetáculo merecia um Coliseu ou uma Aula Magna, no máximo dos exageros.

Ouvimos de tudo, está bem de ver. Que ‘o Bob se está a c… para o público’, que tinha a obrigação de saber onde toca e tomar decisões que garantam deliciar mais que uma mão cheia de gente. Quando a maioria da gente que lá foi queria um Dylan que percebesse que a gente estava ali, que ali foi por amor, veneração, respeito e agradecimento, no esfaimado apetite de estar com ele e lembrar-lhe em palmas, assobios, gritos, isqueiros e cantarolares o que a música dele nos deu, a forma como as canções do Bob nos moldaram, da parte de nós que não seria o que é sem o Dylan. E nada.

A coisa salvou-se para quem saiu à rua e percebeu que o Dylan que tocava lá dentro era bem capaz de estar a cantar cá fora.

Estava a decepção a caminho de se instalar quando os amigos do Paragem Obrigatória dão por eles na rua, de forma voluntária, onde um sósia voluntarioso ia inventando uma roda de fãs a cantar as canções do Bob. O que o Dylan lá de dentro nem tinha pensado em fazer, o Dylan do meio da rua tratava do assunto cantando os ‘hits’, uns mais ‘greatest’ que outros, engalfinhado numa multidão cada vez maior que lhe enchia o saco de notas de euro feliz da vida por ao menos haver um Bob que se tinha lembrado da razão pela qual toda a malta tinha pago a entrada no Altice. De uma mão cheia se fez um magote de gente feliz, a cantar, a aplaudir, a gritar ‘viva o Bob Dylan!’. E homenageavam o verdadeiro Dylan fazendo bicha para a gorjeta ao Bob de rua, o tal Sósia que fez pelo Dylan cá fora o que o Dylan lá dentro nem estava interessado em fazer por si próprio.

O do Altice deixou uma última marca: largou por uma vez o piano e mesmo que amparado num pé de microfone, em jeito de ‘crooner’, lá cantou ‘Why try to change me?’. Era o que mais faltava que o quiséssemos mudar, mas o Bob não é ‘forever young’ a apresentar-se como ‘mr. tambourine man’ e explicar-se ‘like a rolling stone’. E Lisboa e a nossa gente acima da plateia teria ficado melhor servida se ele tivesse cantarolado ‘the times they are a-changin’.

 

(Nota: Imagens via Youtube)

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